1.Contexto da reforma:
Não é novidade que a reforma eleitoral bate à porta. Hoje mesmo, dia 29 de setembro de 2021, foi aprovada no Senado Federal a PEC da reforma eleitoral. Paralelamente, tramita no Congresso o Projeto de Lei Complementar n.º 112/2021, de mais de 370 páginas e cerca de 900 artigos, que não deve ser aprovado a tempo de as regras valerem para a eleição de 2022. Sob reclamações pela não submissão do texto a uma comissão especial, este projeto tem por objetivo principal compilar em um único documento regras de natureza eleitoral e de processo eleitoral, bem como relativas ao funcionamento dos partidos.
Com amparo na alegação da necessidade de atualizar e sistematizar as normas, a Relatora do Projeto, Dep. Margarete Coelho (PP-PI), afirma que o novo Código Eleitoral traz avanços e permitirá uma visão mais clara da legislação que rege as eleições do país. Contudo, diversos parlamentares e entidades têm tecido duras críticas ao texto, apontando retrocesso no combate à corrupção e à transparência nas prestações de contas dos partidos.
Nesse sentido, em nota em que aponta os 18 principais retrocessos existentes no Projeto de Lei n.º 112/2021, o CONAMP fez figurar 3 questões relacionadas às inelegibilidades. A nota indica que “embora a proposta de unificação da legislação tenha avanços, alguns possíveis retrocessos precisam ser conhecidos e debatidos”.
2.Apontamentos do CONAMP sobre as inelegibilidades:
Entre as 3 questões, a Associação aponta que o projeto em análise “reduz drasticamente os prazos de inelegibilidades criados pela Lei da Ficha Limpa ao limitar o prazo máximo em 8 anos ‘após a condenação’ e não mais ‘após o cumprimento da pena’ (art. 181, V, VIII, § 1º e § 5º)”. Além do mais, o novo Código Eleitoral, se aprovado, blindaria “os candidatos de inelegibilidade infraconstitucional que surgem após o registro de candidatura, permitindo que candidatos ficha suja na data da eleição possam ser eleitos (art. 203, § 1º e art. 788)”. Por fim, alerta que o texto “não considera mais inelegível o candidato condenado criminalmente que tenha sua pena substituída por restritiva de direitos, o que permite, desde que preenchidos os outros requisitos, candidatos condenados a pena de até 4 anos possam concorrer (art. 181, § 3º)”.
Além das questões relacionadas às inelegibilidades, a nota critica também as novas regras referentes à transparência na fiscalização de gastos dos partidos políticos, à descriminalização de delitos ocorridos no dia da eleição e à censura na divulgação de pesquisas de opinião em dias de votação.
Não obstante as diversas e fundadas críticas quanto ao Novo Código Eleitoral e seu processo de elaboração, faz-se necessário, em outra via, reconhecer alguns avanços que, se aprovada, a nova legislação incorporará ao sistema eleitoral.
3. Avanços que o projeto traz:
Nesse campo, o primeiro aperfeiçoamento é, de fato, a sistematização das regras que compõem o sistema eleitoral.
Regido por normatizações antigas e esparsas, como o atual Código Eleitoral, datado de 1965, a Lei das Eleições, de 1997, a Lei das Inelegibilidades, de 1990, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, de 1995, além das diversas resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, é inegável que o sistema eleitoral brasileiro há tempo se tornou um labirinto normativo.
E por assim ser, é irrefutável a justificativa dada ao Projeto de Lei Complementar no sentido de que “é direito de todo cidadão que a legislação que define a maneira como vota e como seu voto afeta a formação dos órgãos de deliberação política e as decisões coletivas não seja uma colcha de retalhos, mas se apresente estruturada de forma racional e acessível”, sendo necessário “enfrentar o desafio da codificação legal, destinada a unificar, naquilo em que se mantém válido, o Código Eleitoral de 1965 e suas modificações e, ainda, a legislação que vem sendo aprovada, desde a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (Lei das Inelegibilidades), pelo Congresso Nacional, bem como as resoluções pertinentes do Tribunal Superior Eleitoral”.
Mas não é só. Há outros progressos no PLP 112/2021 que merecem ser destacados.
O texto aprovado na Câmara cria, por exemplo, a possibilidade de candidaturas coletivas para os cargos de deputado e vereador (eleitos no sistema proporcional), as quais, em que pese representadas formalmente por apenas uma pessoa, viabilizam a tomada de decisões coletivas nas votações e encaminhamentos legislativos, tudo a depender da autorização e da regulamentação da modalidade nos estatutos partidários.
Nesse ponto, a normatização das candidaturas coletivas traz amparo legal a essa modalidade que já vinha sendo adotada sem regulamentação e previsão no âmbito das eleições para o legislativo municipal.
Além disso, o Novo Código Eleitoral, se aprovado, altera também as regras de fidelidade partidária, estendendo a prefeitos governadores e presidente a obrigação de permanecer vinculado à legenda em que eleito após o pleito.
Podemos citar, ainda, a tipificação criminal para duas condutas que tem sido amplamente difundidas nos últimos anos em razão do avanço tecnológico que se tornou um novo ator no cenário eleitoral: o compartilhamento de informações falsas com intuito de influenciar o resultado do pleito e o uso de serviços ou bancos de dados a fim de disseminar informações fora das hipóteses e limites previstos na legislação eleitoral.
Na primeira hipótese, a pena prevista vai de um a quatro anos de reclusão, mais multa, sendo punível, nos mesmos termos, aquele que produzir, vender ou oferecer vídeo de conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos.
Há previsão para que a pena seja majorada de um terço até metade nas hipóteses em que o crime for “cometido por intermédio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou rede social, ou é transmitido em tempo real”, ou envolver “menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”.
Da mesma forma, a pena é aumentada de um a dois terços, nos casos de uso de “anúncio ou impulsionamento, contratação de pessoas, utilização de estrutura comercial, de tecnologias, programas ou aparatos para disparos de mensagem em massa ou qualquer meio que tenha por objetivo aumentar a difusão da mensagem”.
Ainda dentro do mesmo tipo, há aumento de pena de metade até dois terços quando a “conduta é praticada para atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”.
Vê-se, portanto, que o legislador se mostrou atento ao uso indiscriminado das redes sociais e serviços de compartilhamento de mensagens como ferramenta de manobra eleitoral. Ainda que tal fenômeno não seja de todo novo, uma vez que sua prática já vem sendo disseminada substancialmente desde as eleições de 2016, a criação de tipos penais específicos deve ser considerada um avanço significativo na busca de um processo eleitoral equilibrado, tendo em vista a crescente e inalterável democratização do acesso e do uso das ferramentas de compartilhamentos de mensagens e mídias sociais.
E quanto a esse aspecto, por outro lado, o Novo Código demonstra igualmente a preocupação em se resguardar a amplitude da liberdade de expressão, estabelecendo, em seu artigo 512, que “a atuação da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático”.
4. Omissões:
Por fim, o Novo Código Eleitoral silencia quanto a reformas que clamam por urgência, como a antecipação no prazo para o registro das candidaturas, que, mesmo que aprovado o novo texto legal, seguirá tendo como limite as 19 horas do dia 14 de agosto do ano em que ocorrerem as eleições. Tal mudança é necessária para garantir estabilidade ao período de campanha, possibilitando ao eleitor vislumbrar com clareza o cenário de candidatos aptos efetivamente a serem votados e empossados, caso eleitos.
Diferentemente do PLP n.º 111/2021, que antecipava o prazo para registro das candidaturas para 01 de junho, o texto que segue agora para aprovação do Senado, mantém a data limite em 14 de agosto, circunstância que prejudica a sensação coletiva de segurança no processo eleitoral, uma vez que todas campanhas se iniciam com as candidaturas ainda em análise de aprovação perante à Justiça Eleitoral.
5. Conclusão:
O sistema eleitoral, suas regras, procedimentos e organização, formam o mecanismo que viabiliza o fino exercício da democracia. Por isso, de tudo o que vem por aí, a única certeza é que muito ainda há que ser feito pelo processo eleitoral e pela solidificação de uma cultura democrática.