Como, afinal, superar a Súmula 7 do STJ?

Como, afinal, superar a Súmula 7 do STJ?

Como superar a súmula 7 do STJ?

Uma dúvida muito comum que atinge muitos operadores do Direito, diante do insucesso de determinada causa ou tese jurídica no âmbito do tribunal de segunda instância, diz respeito a como elaborar um recurso especial capaz de superar o famoso enunciado n.º 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Para aqueles que não estão familiarizados com o tema, tal enunciado afirma que “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” e, na prática, acaba por se constituir em uma das principais causas de inadmissão dos recursos especiais apresentados em todo o Brasil, seja no âmbito dos tribunais estaduais ou federais. Isto é, mesmo quando atendidos os pressupostos genéricos de admissibilidade, como preparo e tempestividade, inúmeros recursos especiais são obstados em razão do não atendimento a pressupostos específicos de admissibilidade, sendo o mais usual deles a Súmula 7/STJ, obrigando o recorrente à interposição de agravo para destrancamento (um recurso que, estatisticamente, carrega enorme possibilidade de insucesso).

Para termos uma noção exata da importância do tema, observemos que, segundo dados disponíveis no Relatório Estatístico do ano de 2019, produzido pela Coordenadoria de Gestão da Informação do Superior Tribunal de Justiça, o Agravo em Recurso Especial (AgResp) representou, no ano de 2019, 55,8% do total de processos aportados no STJ, o que, em números absolutos, representa 214.779 de um total de 384.900. Infelizmente, os dados não informam qual é o fundamento de inadmissão mais aplicado, mas pode-se afirmar com boa probabilidade de acerto que a Súmula 7 está presente em, pelo menos, metade dessas decisões.

No comparativo com as classes processuais mais frequentes no âmbito da Corte Superior entre os anos de 2013 e 2019, o Agravo em Recurso Especial representa mais do que o dobro da quantidade de recursos especiais analisados diretamente pelo STJ, revelando assim a abundância de decisões de inadmissão proferidas pelas Vice-Presidências dos tribunais locais, imensamente maior do que aquelas que reconhecem a regularidade procedimental dessas inconformidades. Observe-se:

 

 

No que diz respeito ao percentual de êxito desses agravos, o cenário é estarrecedor, uma vez que somente as decisões de não conhecimento alcançam 63,0% dos recursos:

 

 

O que esses dados demonstram, no entanto, é que a probabilidade de não conhecimento cai para 23,1% quando se trata de análise direta do recurso especial pela Corte Superior, evidenciando que quando a inconformidade ultrapassa o exame de admissibilidade efetuado no âmbito do Tribunal local, a chance de ter seu mérito analisado pelo Tribunal da Cidadania ultrapassa os 75%; da mesma forma, a possibilidade de êxito da tese jurídica (provimento do recurso) salta de ínfimos 4% para 31% quando apreciada diretamente em recurso especial.

Em suma, o que estas informações nos apresentam é a importância de termos o domínio da técnica adequada para a elaboração do recurso especial e, assim, obtermos maiores chances de ver nossas teses examinadas pela Corte Superior, colaborando de forma mais eficiente para a fixação de entendimentos e para que o próprio Superior Tribunal de Justiça possa cumprir sua missão constitucional de uniformizar a aplicação da lei federal no território brasileiro.

Mas, afinal de contas, que técnica é essa?

Bem.

Evidentemente este artigo não entrará em contornos específicos que alguns casos podem ensejar na hora da elaboração do recurso especial, mas nele apresentarei dois pontos que não podem ser abandonados pelo operador que prepara um recurso especial com base no artigo 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal: (a) o delineamento de questões com base em revaloração da prova e; (b) a explicitação da tese jurídica a ser examinada.

Reexame ou revaloração: qual é a diferença?

 

Segundo o próprio Superior Tribunal de Justiça, “a revaloração jurídica dos fatos não implica a incidência do óbice da Súmula 7 do STJ, quando a análise do recurso especial é baseada nas premissas estabelecidas pelas instâncias ordinárias” (AgInt no REsp 1810826/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2020, DJe 28/05/2020).

Julgados como esse, na verdade, são muito comuns no repositório jurisprudencial do STJ, porém não explicitam no que consiste exatamente a anunciada revaloração da prova.

De forma suficientemente didática, o Ministro Marco Buzzi, da Quarta Turma, afastou a incidência da Súmula 7 em recente decisão, afirmando que “(…) constou do acórdão embargado a não incidência do apontado óbice em razão de que ‘só ocorre o reexame de prova, conforme reiterados entendimentos desta Corte, quando a reforma do acórdão recorrido demanda novo cotejo entre a conclusão nele lançada e os elementos probatórios presentes nos autos. Há, de outro modo, simples revaloração da prova, quando as conclusões desta Corte e da Corte de origem, embora distintas, têm por fundamento o mesmo quadro fático delineado no acórdão recorrido, exatamente como ocorreu, na espécie” (AgInt no AREsp 663.184/TO, julgado em 25/05/2020, DJe 28/05/2020).

Desse modo, a linha que separa o reexame probatório (vedado) da revaloração (permitida), diz respeito à prova já examinada no acórdão recorrido. Assim, quando houver necessidade de fazer menção a elementos de fato e de prova nas razões do recurso especial, o operador deve sempre buscar extrair estes elementos do bojo da decisão combatida, procurando construir sua argumentação no sentido de admitir a realidade fática descrita no acórdão, mas questionar a conclusão jurídica por ele alcançada.

Se o acórdão não houver examinado o conteúdo desses elementos, as análises probatórias contidas na sentença, em decisões interlocutórias e – como última alternativa – em eventual parecer do Ministério Público como custos legis, podem ser exploradas com essa finalidade, porém sempre da forma mais sintética possível e com menção expressa à decisão ou parecer que apresentam os elementos a serem revalorados. Deve-se evitar, peremptoriamente – sob pena de abandono da técnica adequada e consequente inadmissão do recurso – a menção direta a qualquer segmento de prova que não tenha sido analisado nas decisões proferidas ou nos pareceres ministeriais.

Exemplo

 

No caso apreciado no Recurso Especial 1.642723/RS (Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 25/05/2020), o Tribunal de origem reconheceu expressamente a ocorrência de infrações de tráfego consistentes no transporte de cargas com excesso de peso em rodovias federais, mas, dentre outras conclusões, afirmou que é impossível atribuir os danos existentes nas rodovias à conduta da transportadora, deixando de fixar danos materiais e morais coletivos em razão de já haver, no Código de Trânsito Brasileiro, penalidade administrativa.

Diante disso, o recurso apresentado jamais poderia conter argumentação tendente a reverter a afirmação de que inexiste nexo de causalidade entre o excesso de peso nos caminhões e os danos da rodovia, mas limitar-se a ponderar que a comprovação do excesso de peso, por si, enseja o dano difuso capaz de autorizar a condenação na esfera jurisdicional; ou seja, deve-se provocar a adoção de nova conclusão jurídica com base em premissas incontroversas, a partir de uma revaloração delas.

 

Delimitação da tese jurídica

 

Diferentemente da revaloração, pode-se “escapar” da Súmula 7 da Corte Superior através da delimitação concreta e objetiva da questão jurídica apresentada no Recurso Especial.

Lembremos, pois, que o recurso especial encontra sua previsão no texto constitucional, sendo a mais comum das hipóteses de interposição aquela descrita na alínea “a” do inciso III do artigo 105 da Carta Magna:

 Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

(…)

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a)contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

Uma leitura atenta do permissivo constitucional já demonstra, portanto, o direcionamento da argumentação que deve conduzir o recurso especial, isto é, questões levadas a efeito por meio de recurso especial são sempre questões interpretativas. Resumidamente, contrariar significa aplicar de forma equivocada determinado dispositivo, ao passo que negar vigência representa a interpretação de que certo comando normativo não foi, mas deveria ter sido aplicado ao caso concreto.

E o domínio desses conceitos acaba, também, por tornar mais fácil o manejo da inconformidade excepcional de forma a não incidir no óbice do reexame de provas. Isso porque, para que possamos formular questões jurídicas adequadas à técnica recursal em foco, devemos sempre ter em mente a norma federal que entendemos ter sido violada pela decisão da qual estamos recorrendo e delimitar da forma mais clara possível a controvérsia que estamos apresentando.

Quanto maior for a clareza a respeito da questão jurídica que levamos à Corte Cidadã, menor será a chance de o profissional do Poder Judiciário responsável pelo exame da admissibilidade entender que aquele recurso visa reexaminar fatos e provas.

Exemplo

O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de que “a presença de indícios de cometimento de atos ímprobos autoriza o recebimento fundamentado da petição inicial nos termos do art. 17, §§ 7º, 8º e 9º, da Lei n. 8.429/92, devendo prevalecer, no juízo preliminar, o princípio do in dubio pro societate”.

Entendimentos como esse servem para viabilizar o conhecimento de inúmeras ações civis porque desconsideram a necessidade de examinar profundamente se determinado substrato é suficiente, ou não, para o recebimento da inicial da ação civil por ato de improbidade. Há apenas a delimitação de uma questão jurídica, que, de modo sintético, poderia ter sido formulada da seguinte maneira: indícios do cometimento de atos de improbidade administrativa autorizam o recebimento da petição inicial com base no art. 17, §§ 7º, 8º e 9º da LIA?

Perceba-se que, dessa forma, jamais será necessário argumentar de forma exaustiva sobre a qualidade desses indícios, bastando que, conforme destacado no tópico anterior, eles tenham sido mencionados no acórdão recorrido.

Não por acaso, o Ministro Sérgio Kunika, Relator do Recurso Especial 1504744/MG (PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 24/04/2015), que versava exatamente sobre a tese jurídica ora tomada como exemplo, destacou que “o reconhecimento da existência de indícios da prática de atos de improbidade, em casos como o presente, não reclama o reexame de fatos ou provas. O juízo que se impõe restringe-se ao enquadramento jurídico, ou seja, à consequência que o Direito atribui aos fatos e provas que, tal como delineados no acórdão, darão suporte (ou não) ao recebimento da inicial”.

Considerações finais

A presente abordagem, ainda que tenha perpassado por alguns conceitos jurídicos, de forma alguma pretendeu ter viés doutrinário ou científico acerca do tema abordado, mas apresentar um panorama breve sobre algumas técnicas apreendidas com base na experiência cotidiana no manejo de recursos especiais, bem como na leitura de inúmeros julgados de recursos exitosos e obstaculizados, seja no âmbito do Superior Tribunal de Justiça ou nas Vice-Presidências do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Espera-se ter podido contribuir à elucidação de algumas questões que podem causar dúvida aos profissionais que, porventura, encontram na via do recurso especial a última alternativa para a obtenção das tutelas jurisdicionais objetivadas no campo da prática forense, a fim de que melhor possam atuar na perseguição dos interesses dos seus representados.

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