Muito tem sido falado acerca da possibilidade de revisão da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429, de 1992) por meio do PL 2.505/2021 , que atualmente tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.
Dentre as críticas e elogios à proposta de reforma, muitos analistas se referem à Lei de Improbidade como um importante instrumento de combate à corrupção. Mas corrupção e improbidade seriam palavras sinônimas?
Nesse artigo, vamos responder a essa pergunta.
É importantíssimo frisar que uma parcela significativa da doutrina brasileira considera a improbidade um conceito mais amplo do que a corrupção. E não faltam justificativas plausíveis para isso.
A principal delas, talvez, seja a de que muito embora um ato de grave ineficiência possa ser enquadrado no conceito jurídico de improbidade, essa categoria de ilícito não poderia ser classificada como corrupção.
Sobre o tema, Fábio Medina Osório (2012; p. 22) assinala que
a categoria ético-normativa designada como corrupção – frequentemente utilizada no direito internacional e na literatura especializada como o uso indevido de atribuições públicas para obtenção de benefícios privados – não abrange a complexidade e os matizes das desonestidades e ineficiências intoleráveis no setor público, mas apenas de uma faceta da má gestão pública, possivelmente a menos frequente, ou seja, aquela que engloba as gravíssimas desonestidades, além de revelar-se incapaz de assinalar fenômenos que, embora não se encaixem na ideia de podridão moral do homem público, indicam altos níveis de reprovação ético-social. De modo que resulta aconselhável inserir o tratamento da corrupção como espécie de outra patologia, esta tida como mais ampla; a corrupção, ao revés, deve situar-se em um nível de detalhamento das desonestidades funcionais mais graves.
Ressalvada essa notável justificativa, adotaremos aqui o entendimento de que a corrupção é uma categoria mais ampla do que a improbidade administrativa, filiando-nos ao pensamento de Rogério Gesta Leal1, para quem
há uma dimensão simbólica do que significa a corrupção em termos de valores democráticos que independe dos seus efeitos práticos e quantitativo-financeiros, ou mesmo os que dizem com sua consumação de benefício ou não – modalidade da tentativa -, pois estão em jogo as bases normativo-principiológicas fundantes das relações sociais e da confiança nas instituições privadas.
Compreendida dessa forma, a corrupção se revela como um fenômeno multifacetado que também não exclui a grave ineficiência. Isso porque, quando se torna agente público, o sujeito passa a ser depositário da confiança que a sociedade tem em relação às instituições do Estado. Assim, mesmo que ele atue de forma culposa (sem intenção), seus atos ainda podem ser considerados corruptos quando causarem grande prejuízo à Administração Pública. Até porque, como afirmou o próprio doutrinador Fábio Medina Osório (2012; p. 6), “os agentes públicos continuam tendo direito ao erro juridicamente tolerável”.
Além disso, como destaca Rogério Gesta Leal (2014; p. 104), “a LIA busca atingir a improbidade enquanto corrupção administrativa que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica”.
Portanto, não sendo a corrupção tomada apenas em seu sentido mais tradicional, de “apropriação do público pelo privado”, mas como um termo que abrange inclusive as mais variadas formas de subversão dos valores e das regras morais que orientam a noção de cuidado com a coisa pública e de boa administração, percebemos que ela é mais ampla do que a improbidade. Enquanto a improbidade, para se caracterizar, necessita de um ato que possa ser enquadrado em um dos tipos trazidos na Lei n.º 8.429/92 (artigo 9º, 10, 10-A e 11), um ato de corrupção pode ser classificado dessa forma ainda que sequer viole uma lei.
Outra razão para que utilizemos o conceito de corrupção em vez de improbidade reside no fato de que se trata de um termo muito mais palatável para a sociedade civil e para o sujeito não introduzido nas complexas diferenciações conceituais que dominam o universo jurídico e acadêmico. Assim, ao falarmos em retrocesso ou avanço no combate da corrupção, há a chance de que a nossa mensagem atinja um número maior de interessados em compreender o tema.
Referências:
1 LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado, administração pública e sociedade: causas, consequências e tratamentos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2013.